Certa vez, em Salvador, jogava conversa fora em um boteco com o professor Cloves Araújo e Warat. No dia seguinte, Warat e eu participaríamos de um seminário interdisciplinar na Universidade Estadual da Bahia – UNEB. Não me lembro o mais o tema da intervenção de Warat. O meu tema era sobre a magistratura e a Constituição Federal de 1988. Esta intervenção, aliás, resultou em um texto, cujo título Warat deve ter gostado mais do que o conteúdo: A magistratura e a CF 88: o baile que teima em não acontecer.
Cloves e eu tomávamos cerveja e comíamos bode (ou carneiro) assado com farofa d’água. Warat estava meio gripado e pediu uma tigela de canja de galinha. O objetivo do pedido, segundo o próprio Warat, era aquecer o peito e auxiliar a expectoração. Pura sabedoria dos mais antigos.
Antes da conversa desandar totalmente para amenidades, Cloves caiu na bobagem de anunciar muito solenemente a Warat, como se fosse aquilo uma grande novidade, que eu acabara de prolatar uma sentença contra a lei. Evidente que eu também fiquei ansioso pela reação dele. E esta veio como um raio sobre o coitado do Cloves. Na verdade, Warat nem deixou que Cloves concluísse o caso da tal sentença contra a lei e fulminou com seu portunhol inconfundível: Cloves, não existe a possibilidade de uma sentença judicial, exatamente por ser uma sentença judicial e prolatada por um Juiz, ser contra a lei. E continuou: haverá sempre uma fundamentação legal para qualquer sentença, mesmo que não seja aquela fundamentação que normalmente se espera para o caso. Enfim, Cloves, por se tratar de uma sentença judicial, a decisão do Juiz será sempre de acordo com a Lei, seja esta ou aquela Lei. Entendeu? Para sorte nossa, Warat nem se deu ao luxo de criticar o meu “senso comum teórico dos juristas.”
É evidente que agora, Cloves e eu, mesmo ainda sóbrios, entendemos melhor o discurso de Warat. Uma sentença judicial será sempre um ato de um Juiz em conformidade com a lei, independentemente de qual seja a lei que ele utilize. Não existe alternativa. A decisão judicial será sempre uma decisão legal, mesmo quando se baseia em princípios. Tanto faz. Os princípios também estão na lei. Não há salvação. Também não se trata de interpretação diferente, mas da escolha da lei a ser aplicada ao caso concreto.
Assim, é como se o Juiz, acostumado a condenar, estivesse ele mesmo condenado a decidir sempre de acordo com a Lei. Seja ela qual for. É como aquela música dos Paralamas: “cuide bem do seu amor, seja quem for...”